segunda-feira, 4 de novembro de 2024
A crise climática na cobertura jornalística das catástrofes em Valência e Porto Alegre
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Sul21 e o jornalismo a serviço da pauta ambiental nascida no cotidiano
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Por Míriam Santini de Abreu
O site de
notícias independente Sul21 publicou, às vésperas do primeiro turno das
Eleições 2024, a série de reportagens “Raio-X das Periferias” sobre as principais
demandas de moradores dos quatro bairros mais populosos de Porto Alegre para o
período eleitoral. A iniciativa, que incluiu os bairros Rubem
Berta, Restinga, Sarandi e Lomba do Pinheiro (veja em bit.ly/3Ny1G25), é um exemplo significativo para
relacionar cotidiano, espaço e pauta ambiental em tempos nos quais a população
elege seus representantes na dita (e tão limitada) democracia
representativa.
No senso comum, cotidiano é o que
ocorre todos os dias, o banal, o corriqueiro, o repetitivo. Mas nele também
nasce a ruptura, a possibilidade de transformação social. O novo, afinal,
emerge no cotidiano, e é no espaço que esse cotidiano, em sua riqueza e
miséria, se realiza. As transformações pelas quais passa o jornalismo como
fazer profissional e também como negócio, porém, afastam o jornalista do
cotidiano e do espaço. Redações cada vez mais enxutas levam a coberturas
magras, parte delas feitas por telefone ou redes sociais, levando portais
noticiosos a terem “cara” de vitrine para boletim de ocorrência.
Em sentido oposto, a série do
Sul21 traz diversidade de fontes e descrições
expressivas do cotidiano e do espaço geográfico dos quatro bairros, onde
aparece a errância de populações continuamente expulsas ou em busca de melhores
condições de vida, situação agravada pela penosa tentativa de recuperação
depois das enchentes catastróficas que atingiram o Rio Grande do Sul.
A debilidade dos
serviços públicos, as dificuldades de locomoção, a falta de opções de lazer –
todas elas relacionadas à pauta ambiental – vão sendo apresentadas ao longo das
entrevistas para expor o abandono do poder público, as promessas que não se
cumprem, as tentativas de organização popular para superar as carências do
cotidiano. Aparecem ainda as conquistas via Orçamento Participativo, mas também
as críticas aos limites deste instrumento de liberação de recursos públicos.
A série utiliza
dados do Atlas de Vulnerabilidade Social desenvolvido no curso de Geografia da
UFRGS, informação do mundo acadêmico a serviço da interpretação jornalística do
espaço geográfico. Na reportagem sobre o bairro Rubem Berta, aparece menção ao
jornal comunitário local Fala Cohab,
a revelar o papel ainda vivo da comunicação comunitária. A série de reportagens
“Raio-X das Periferias” é mais uma a confirmar o importante papel do Sul21 no
jornalismo gaúcho e regional. Que as vozes que carrega em seus textos tão bem
encaixados sejam ouvidas e levadas em conta por quem comandar Porto Alegre
pelos próximos quatro anos.
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Trajetórias: Sérgio Luís Boeira
Foto: arquivo pessoal |
O blog tem novidade: a apresentação de trajetórias de jornalistas com atuação em Santa Catarina. A primeira é a de Sérgio Luís Boeira, atualmente professor e doutor em Ciências Humanas (UFSC, 2000). A pedido, ele fez uma Apresentação resumida sobre suas atividades e cedeu imagens de artigos produzidos em diferentes veículos de comunicação. Confira: https://jornalismoambientalsc.blogspot.com/p/trajetorias.html
quarta-feira, 21 de agosto de 2024
Política, jornalismo e olhos de libélula
Por Míriam Santini de Abreu
Há poucos dias, caminhando nas proximidades da Câmara de Vereadores de Florianópolis, ouvi uma conversa. Um rapaz perguntava a uma moça sobre um vereador:
– Mas ele é de que bairro?
Isso de vereador “de bairro” deve ser herança das Intendências. E quem acompanha a Câmara de Florianópolis nota que a política ali se move pelo bairro. Não é por acaso o desconhecimento, desinteresse, estupidez e má-fé da maioria dos legisladores pelos grandes temas da cidade. Só tratam da vida do bairro, onde muitas vezes reina a troca de favores por votos. Vereador “da cidade” são poucos, aqueles de olhos de libélula para ver a cidade de cabo a rabo.
Daí nasce a reflexão para hoje: falar de “meio ambiente”, “desenvolvimento sustentável” e “justiça climática” agora é moda em campanhas eleitorais da esquerda à direita. É “politicamente correto” incluir o tema nas propostas para o Executivo e o Legislativo. Mas há que recordar uma reflexão do geógrafo Milton Santos: o discurso sobre a coisa, no nosso tempo, tomou o lugar da coisa. Nas redes sociais é pior ainda.
Então o caminho para ver o que está atrás do discurso é a práxis. Ação na vida cotidiana orientada por conhecimento. Um critério: onde estavam e como se movimentaram os corpos desses discursos nas grandes lutas da cidade para defendê-la dos vendilhões a serviço do lucro de poucos?
Algumas grandes lutas: 1) o Levante do TAC (Teatro Álvaro de Carvalho), em 2010, contra a proposta de revisão do Plano Diretor do então prefeito Dário Berger; 2) a mobilização popular contra a instalação do Estaleiro da OSX em Biguaçu; 3) a irrupção da Ocupação Amarildo de Souza no Norte da Ilha, gerando inédita criminalização jurídico-midiática; 4) a mobilização popular em 2013 e 2014 mais uma vez em protesto contra as mudanças no Plano Diretor na gestão do então prefeito César Souza Júnior, sob forte repressão policial; 5) a luta pela Ponta do Coral 100% Pública e contra os emissários submarinos e seus impactos ambientais, assim como as grandes marinas, os “engordamentos” de praias e a despoluição de baías, que consumiu milhões para nada; 6) a defesa das lagoas, rios, águas marinhas, manguezais, restingas, áreas de preservação permanente e unidades de conservação; 7) a mobilização popular a partir de 2020 mais uma vez em protesto contra as mudanças no Plano Diretor na gestão do então prefeito Gean Loureiro e depois de seu vice e hoje prefeito, Topázio Neto, mudança esta sacramentada em melancólica votação na Câmara de Vereadores em 2023.
A falta de memória beneficia quem some com o corpo e aparece com o discurso. O jornalismo local, a serviço e a soldo dos interesses da atual gestão da prefeitura, joga a pá de cal na possibilidade de confrontar as candidaturas. Perguntas que não perguntam, respostas que nada dizem, encenação de jornalismo e de política.
Uma aula sobre como fazer? A edição de 26/27 de abril de 1986 no Jornal de Santa Catarina, o velho Santa impresso, que encontrei graças à jornalista Roseméri Laurindo, que entrevistamos para o projeto Repórteres SC, da equipe da Pobres & Nojentas. Ela guardou, entre outras, uma página dupla do standard, sem anúncio, com o seguinte título e linha de apoio: “OCUPAÇÃO DO SOLO: em debate as garantias de preservação da Ilha”. Ali está a síntese de uma mesa-redonda organizada pelo Santa, de duas horas e 30 minutos, para debater a regulamentação do chamado Plano Diretor dos Balneários e o processo de urbanização da capital. Foram nove convidados de diferentes campos de atuação e pontos de vista.
Em apenas duas páginas, um instigante retrato da cidade naquele período, ainda mais hoje, quando a prefeitura e o empresariado são as fontes predominantes a desfilar no jornalismo local revirando a cidade, plantando cimento e falando em “inclusão” e “desenvolvimento sustentável”. Destaque para as perguntas da jornalista: inteligentes, provocativas, capazes de instigar os entrevistados a efetivamente se expor, olho no olho, na mesa do jornal e na edição depois impressa. Roseméri e o Santa fizeram outras dessas, uma delas sobre a falta de moradia em Santa Catarina nos anos 1980 e com a qual estou escrevendo um artigo. Bah, Rose!
A eleição se alimenta da desconexão da política com a vida cotidiana, real, concreta. Desconexão que também é a marca do que se pratica como jornalismo hoje. Há que perseguir o Jornalismo. O Jornalismo que dá a volta nas coisas para nelas flagrar o mal dito no discurso. O escritor José Saramago ensina isso no documentário “Janela da Alma”. Ele fala sobre a coroa mui apreciada do Camarote Real no Teatro de Lisboa. De longe e de frente, enorme, dourada, magnífica. Mas, vista de trás, oca, repleta de pó e teias de aranha. Logo ele aprendeu uma lição da qual nunca se esqueceu: “Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta. Dar-lhes a volta toda."
Sim! Político “da cidade” tem que ter olhos de libélula. E jornalista também!
sexta-feira, 9 de agosto de 2024
Artigo analisa as mazelas da modernização catarinense a partir do trabalho da jornalista Elaine Borges
Mais um belo achado adicionado à lista de pesquisas sobre jornalismo ambiental em Santa Catarina. É o artigo de Isadora Muniz Vieira intitulado “A outra face da modernização de Santa Catarina: mazelas de catarinenses retratadas por Elaine Borges em O Estado (1972)”. Mesmo que a designação jornalismo ambiental tenha surgido depois dos trabalhos mencionados, vale registrar que Elaine Borges foi pioneira no olhar cuidadoso para as mazelas na relação entre sociedade e natureza em Santa Catarina.
O artigo, segundo o Resumo, "objetiva analisar representações de Santa Catarina durante as transformações do jornalismo brasileiro, em nível nacional e local, a partir das matérias da jornalista gaúcha Elaine Borges para o jornal O Estado. Através de sua trajetória profissional, a jornalista criou narrativas sobre Santa Catarina em diferentes periódicos de circulação regional e nacional num contexto que o estado se modernizava e investia em turismo a partir de iniciativas públicas e privadas. No O Estado, diferentemente de outros periódicos, a jornalista abordou o momento de modernização catarinense por outro viés, dando maior atenção aos sujeitos pertencentes às classes sociais historicamente marginalizadas que continuaram excluídas durante o processo. Assim, a intenção é analisar as matérias publicadas pela jornalista no jornal de junho a outubro de 1972, percebendo de que forma a modernização do estado e os seus habitantes foram por ela representados".
Pesquisando como O Estado havia coberto, em junho de 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente, ou Conferência de Estocolmo (saiu uma notícia breve), encontrei um texto de Elaine Borges, com cinco fotografias de Orestes Araújo, publicado em 10 de junho daquele ano, merecedor de chamada e foto na capa, intitulado “As famílias que vivem do lixo”. São nove parágrafos impecáveis. Lidos mais de 50 depois, têm a qualidade do eterno acontecer dos grandes textos jornalísticos.
A trajetória de Elaine Borges também está contada na dissertação de mestrado de Isadora Muniz Vieira. Ali descobri que aquele foi primeiro texto da jornalista para O Estado. Ainda em 1972, para o mesmo jornal, ela fez reportagens, como enviada especial, sobre a viagem dos primeiros colonos de Santa Catarina para a Amazônia. Esse material é analisado no artigo de Isadora acima mencionado. Precioso!
Referências
VIEIRA, I. M. A Ilha da Magia de Elaine Borges: um passeio pelo passado de Florianópolis através da trajetória da jornalista (1972 - 1999). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, 2019.
VIEIRA, I. M. A outra face da modernização de Santa Catarina: mazelas de catarinenses retratadas por Elaine Borges em O Estado (1972). Boletim Historiar, [S. l.], v. 6, n. 3, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/historiar/article/view/12651. Acesso em: 9 ago. 2024.
segunda-feira, 1 de julho de 2024
20 anos de pesquisa sobre o discurso jornalístico do desenvolvimento sustentável
Míriam Santini de Abreu
Há 20 anos defendi, no Programa de
Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
minha dissertação, intitulada “O discurso jornalístico do desenvolvimento
sustentável: uma interpretação sob o ponto de vista geográfico”, com orientação
do professor Nazareno José de Campos. Ela virou livro pela editora da mesma
universidade, com o título “Quando a palavra sustenta a farsa: o discurso
jornalístico do desenvolvimento sustentável”.
Percorri três diferentes áreas de
conhecimento, Geografia, Jornalismo e Análise de Discurso, para a pesquisa.
Abordei a origem do conceito, ligando-o aos debates sobre a relação entre
sociedade e natureza no Brasil e, especificamente, em Santa Catarina. Para
isso, trabalhei com a categoria de formação socioespacial, aliada ao
entendimento do meio geográfico atual como um meio
técnico-científico-informacional, no caminho da obra do geógrafo Milton Santos.
No jornalismo, situei historicamente a apropriação da problemática ambiental
pelos meios de comunicação, na perspectiva do jornalismo como forma de
conhecimento da realidade cristalizada no singular, como ensina o mestre Adelmo
Genro Filho. Para fazer a análise dos dois veículos de comunicação
selecionados, o JB Ecológico (Jornal do Brasil) e o AN Verde (então encartado
em A Notícia), optei pela linha francesa da Análise do Discurso.
Com a pesquisa, concluí que o discurso em
geral sobre a natureza é, fundamentalmente, um discurso político, de poder,
construído também a partir do espaço. Com base nessas relações de poder, o
discurso jornalístico do desenvolvimento sustentável produz efeitos de sentido
predominantemente empresariais, mesmo quando o sujeito-jornalista se propõe a
formular um discurso sobre a preservação (intocabilidade) da natureza.
Observa-se que, de uma forma ou de outra,
diferentes formações socioespaciais deixam vestígios no discurso jornalístico.
Esses vestígios evocam manifestações concretas (desmatamento, poluição) da
relação entre sociedade e natureza. O espaço geográfico, porém, é interpretado
principalmente a partir da ótica dos atores hegemônicos ou do discurso da
ciência. Sobra pouca ou nenhuma possibilidade para que outros atores sociais
produzam suas próprias interpretações sobre os conflitos que se estabelecem nos
diferentes lugares onde os discursos jornalísticos são formulados.
A dissertação está em
https://pergamum.ufsc.br/acervo/203417
De lá para cá, aprofundei no doutorado do
Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC minhas pesquisas sobre o espaço
no jornalismo. Defendi a tese há quase cinco anos, em agosto 2019.
Hoje, uma nova farsa espreita, e 20 anos
atrás eu já a citava: os tais mercados de carbono. O tema é ausente na mídia de
Santa Catarina, mas, em veículos nacionais, está aparecendo com mais
frequência.
Temas, como diria o Senhor Spock, fascinantes!
quarta-feira, 29 de maio de 2024
O papel dos veículos independentes na cobertura da catástrofe do Rio Grande do Sul
Reprodução Brasil de Fato - Vitor Shimomura / Brasil de Fato |
Míriam Santini de Abreu
Veículos independentes
como o Sul 21, Brasil de Fato RS, Agência Pública e Intercept Brasil, entre
outros, estão cumprindo um papel dos mais relevantes na cobertura da catástrofe
do Rio Grande do Sul. Os quatro operam à margem da mídia hegemônica, que se
refestela com recursos públicos e faz cada vez menos jornalismo. Os veículos
citados trouxeram ao debate fatos ignorados, ocultados ou mal divulgados pela imprensa
tradicional, mais preocupada em tentar blindar a incompetência de prefeitos e
do governador do estado. Entre esses fatos estão aqueles caros ao jornalismo
ambiental.
O Sul21, no dia 6
de maio, na reportagem intitulada “Tragédia histórica expõe o quanto governo
Leite ignora alertas e atropela política ambiental”, assinada por Luciano
Velleda, (bit.ly/3wRHDXE),
detalha as críticas de organizações não-governamentais ao governo do estado em
relação às mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente e à iniciativas como a
construção de barragens em áreas de preservação da natureza.
O Brasil de Fato
RS tem publicado várias reportagens a partir da periferia de Porto Alegre,
ouvindo populações empobrecidas que perderam o pouco que tinham e enfrentarão
dificuldades inimagináveis para recompor o cotidiano. Uma delas foi a
reportagem intitulada “Em bairro 'esquecido' de Porto Alegre (RS), enchente faz
emergir solidariedade” (bit.ly/3wJ7otf), assinada por Murilo Pajolla e publicada
no dia 27 de maio.
Outra reportagem
do Brasil de Fato RS, intitulada “Com 180 mil pessoas atingidas pela enchente,
Canoas tem atendimento do CRAS interrompido” e assinada por Clara Aguiar em 21
de maio (https://abrir.link/gwxvN),
repercutiu e serviu de base para denúncia junto ao Ministério Público do Estado
do Rio Grande do Sul (MPRS). A repórter, em sua conta na rede social Instagram
(@claguiar), avalia a repercussão do relato sobre as dificuldades enfrentadas
pelas famílias vítimas da enchente ao tentarem se cadastrar no CadÚnico em
Canoas, município vizinho de Porto Alegre. O cadastramento é essencial para que
pessoas atingidas possam ter acesso aos benefícios do governo estadual e
federal. “O jornalismo de impacto desempenha um papel crucial especialmente
nesse momento em que milhares de vítimas da enchente buscam auxílio e
informações confiáveis”, comenta Clara Aguiar na postagem.
Com o título “O
passo-a-passo da inoperância no RS, segundo um dos responsáveis por alertar as
autoridades” (bit.ly/4bBFzls),
o Intercept Brasil divulgou reportagem assinada por Paulo Motoryn e Marcelo
Soares no dia 15 de maio revelando grave conflito de interesses: uma das
empresas responsáveis pela manutenção do sistema de contenção de inundações de
Porto Alegre tem, entre seus sócios, um ex-funcionário da prefeitura que, por
dois anos, foi o responsável por sua fiscalização.
No dia 22 de
maio, a Agência Pública divulgou a reportagem intitulada “Militares e políticos
sem experiência estão à frente da Defesa Civil em cidades do RS” (bit.ly/3VkpXNQ), assinada por
Rafael Oliveira, tendo, para isso, analisado o orçamento empenhado para a
Defesa Civil por esses municípios e pelo estado nos últimos três anos. Os dados
foram extraídos diretamente do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do
Setor Público Brasileiro (Siconfi), abastecido pelos próprios governos
estaduais e municipais.
As reportagens
mencionadas são exemplos do conjunto da cobertura dos quatro veículos, que
disponibilizam, em suas páginas, outros textos tão significativos quanto os
acima citados.
A designação de
imprensa/jornalismo tradicional, também chamada de convencional, faz referência
aos grupos e empresas controladoras do setor no Brasil. Sobre o jornalismo
independente, há inúmeras pesquisas que investigam o tema, sendo uma delas o
trabalho de M. Silva (2017), que mapeia 30 iniciativas criadas entre 2013 e
2015 no Brasil, por ela denominadas novas experiências de jornalismo. Segundo a
autora, as expressões geralmente aplicadas a esse tipo de iniciativa –
jornalismo independente, jornalismo alternativo, mídia radical, mídia
contra-hegemônica – não dão conta de toda a variedade de propostas que compõem
tais iniciativas.
Este artigo toma
o papel da imprensa tradicional/hegemônica como o de manutenção da ordem social
e, em contrapartida, o da imprensa independente/alternativa/contra-hegemônica
como o de crítica a esta ordem para a construção de outro modo de organização
social. Os quatro veículos citados, em maior ou menor grau, explicitam essa
perspectiva, e de forma concreta trazem ao fazer e ao discurso jornalístico um
conjunto de temas, pontos de vista e fontes invisibilizadas ou negligenciadas no
debate público.
Nesta direção,
prestam-se ao exercício do direito à fala e à escrita muitas vezes proscrita na
imprensa tradicional.
Idealizador da ideia
do direito à cidade, Henri Lefebvre, em artigo no livro “Du Contrat de
Citoyenneté”, publicado em 1990, lista o que nomeia como “Os novos direitos do
cidadão”. Entre eles estão o direito à informação e o direito à expressão. Diz
Lefebvre que um cidadão não deve nem pode ficar calado sobre o que o preocupa e
que lhe diz respeito, mesmo que apenas indiretamente: “Isso é muito: todos os
assuntos da sociedade preocupam todos os membros. Daí o direito de refletir, de
falar, de escrever” (LEFEBVRE, 1990. p. 34).
É possível afirmar que no nascedouro da catástrofe que se abate sobre o Rio Grande do Sul estão também esses direitos sufocados ou mal-ouvidos pelas autoridades hoje apressadas em se livrar de sua cota de responsabilidade. Que bom termos veículos como os quatro citados, entre outros, para trazer à tona fatos que, para essas autoridades, deveriam estar convenientemente esquecidos. Sobrevivem a duras penas e fazem jornalismo à altura desses duros tempos.
Referências
LEFEBVRE, HENRI et LE GROUPE DE NAVARRENX . Du Contrat de Citoyenneté. Paris: Editions Syllepse et Editions Periscope, 1990.
SILVA, Mariana da Rosa. Tensões entre o alternativo e o convencional: organização e financiamento nas novas experiências de jornalismo no Brasil. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Santa Catarina, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/185627. Acesso em: 28 maio. 2024.
* Jornalista,
doutora em Jornalismo, mestre em Geografia e especialista em Educação e Meio
Ambiente
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