segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A crise climática na cobertura jornalística das catástrofes em Valência e Porto Alegre




Por Míriam Santini de Abreu 

“Devastadora”, “trágica”, “catastrófica” e “apocalíptica” são adjetivos que a imprensa espanhola está usando para se referir aos efeitos da já caracterizada “maior chuva do século”, que devastou principalmente a comunidade de Valência. A imprensa brasileira também tem se utilizado dos mesmos adjetivos na cobertura. Postagens nas redes sociais estão divulgando notícias vindas do país europeu e associando o fato com as enchentes de abril/maio no Rio Grande do Sul. É oportuno, portanto, analisar a cobertura jornalística espanhola para investigar como estão posicionados os debates sobre a crise climática e a relação com a violenta DANA (depressão isolada de alto nível), fenômeno provocador das violentas chuvas e que ocorre quando o ar frio desce sobre as águas quentes do Mar Mediterrâneo. 

Às 18h45 desta quarta-feira (30), o jornal El Mundo traz o assunto na capa, enquanto no El País, cujo slogan é “El periódico global”, as notícias mais bem posicionadas tem relação com a eleição presidencial nos Estados Unidos. No El País, a matéria principal, intitulada “95 muertos y decenas de desaparecidos en la peor gota fría del siglo en España”, destaca o mesmo fato do El Mundo, o número já confirmado de mortos: “Al menos 95 muertos y decenas de desaparecidos por la DANA”. 

O El Mundo traz como primeira retranca outro fato que certamente irá merecer farta cobertura nos próximos dias: a demora do acionamento do sistema de alerta de Valência. O jornal também dá destaque para os motivos pelos quais a DANA foi tão violenta. A notícia traz análises de meteorologistas e destaca-se o seguinte trecho: “En este episodio, ha influido también un factor muy vinculado al cambio climático: la temperatura del agua del mar, pues en la costa de Valencia estaba entre un grado y dos por encima de la media en esta época del año. ‘No es una anomalía tan significativa como la de otros momentos del año, pero sin duda ha contribuido a que haya habido más lluvia’, afirma.” 

O El País aborda o fato em uma retranca de dois parágrafos na qual afirma que o Mediterrâneo mais quente que o normal, para esta época do ano, é a chave para a virulência das chuvas. Em nota, a Metsul Meteorologia analisou dados da chuva na comunidade espanhola de Valência, comparou-os aos do desastre no Rio Grande do Sul e concluiu que a precipitação em pontos de Valência superou o acumulado em 24 horas de qualquer cidade gaúcha no evento do fim de abril e o começo de maio. Mas, segundo a nota, “se considerado o período prolongado de instabilidade que atingiu o Rio Grande do Sul os volumes foram parecidos ou o dobro do que choveu em um só dia na região mais castigada da Espanha”.

Os dois veículos trazem reportagens descritivas sobre os impactos da DANA em diferentes localidades, medidas imediatas das autoridades públicas, serviços disponíveis aos atingidos, previsão meteorológica para as próximas horas e postagens de redes sociais feitas por moradores. Do ponto de vista da crítica da cobertura jornalística, seriam de grande valia estudos mais aprofundados para comparar o trabalho desenvolvido pelos jornais e jornalistas espanhóis com o dos congêneres do Rio Grande do Sul, a partir das premissas do jornalismo ambiental.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Sul21 e o jornalismo a serviço da pauta ambiental nascida no cotidiano

Print screen de tela


Por Míriam Santini de Abreu

O site de notícias independente Sul21 publicou, às vésperas do primeiro turno das Eleições 2024, a série de reportagens “Raio-X das Periferias” sobre as principais demandas de moradores dos quatro bairros mais populosos de Porto Alegre para o período eleitoral. A iniciativa, que incluiu os bairros Rubem Berta, Restinga, Sarandi e Lomba do Pinheiro (veja em bit.ly/3Ny1G25), é um exemplo significativo para relacionar cotidiano, espaço e pauta ambiental em tempos nos quais a população elege seus representantes na dita (e tão limitada) democracia representativa.  

No senso comum, cotidiano é o que ocorre todos os dias, o banal, o corriqueiro, o repetitivo. Mas nele também nasce a ruptura, a possibilidade de transformação social. O novo, afinal, emerge no cotidiano, e é no espaço que esse cotidiano, em sua riqueza e miséria, se realiza. As transformações pelas quais passa o jornalismo como fazer profissional e também como negócio, porém, afastam o jornalista do cotidiano e do espaço. Redações cada vez mais enxutas levam a coberturas magras, parte delas feitas por telefone ou redes sociais, levando portais noticiosos a terem “cara” de vitrine para boletim de ocorrência.

Em sentido oposto, a série do Sul21 traz diversidade de fontes e descrições expressivas do cotidiano e do espaço geográfico dos quatro bairros, onde aparece a errância de populações continuamente expulsas ou em busca de melhores condições de vida, situação agravada pela penosa tentativa de recuperação depois das enchentes catastróficas que atingiram o Rio Grande do Sul.

A debilidade dos serviços públicos, as dificuldades de locomoção, a falta de opções de lazer – todas elas relacionadas à pauta ambiental – vão sendo apresentadas ao longo das entrevistas para expor o abandono do poder público, as promessas que não se cumprem, as tentativas de organização popular para superar as carências do cotidiano. Aparecem ainda as conquistas via Orçamento Participativo, mas também as críticas aos limites deste instrumento de liberação de recursos públicos.

A série utiliza dados do Atlas de Vulnerabilidade Social desenvolvido no curso de Geografia da UFRGS, informação do mundo acadêmico a serviço da interpretação jornalística do espaço geográfico. Na reportagem sobre o bairro Rubem Berta, aparece menção ao jornal comunitário local Fala Cohab, a revelar o papel ainda vivo da comunicação comunitária. A série de reportagens “Raio-X das Periferias” é mais uma a confirmar o importante papel do Sul21 no jornalismo gaúcho e regional. Que as vozes que carrega em seus textos tão bem encaixados sejam ouvidas e levadas em conta por quem comandar Porto Alegre pelos próximos quatro anos. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Trajetórias: Sérgio Luís Boeira

Foto: arquivo pessoal

O blog tem novidade: a apresentação de trajetórias de jornalistas com atuação em Santa Catarina. A primeira é a de Sérgio Luís Boeira, atualmente professor e doutor em Ciências Humanas (UFSC, 2000). A pedido, ele fez uma Apresentação resumida sobre suas atividades e cedeu imagens de artigos produzidos em diferentes veículos de comunicação. Confira: https://jornalismoambientalsc.blogspot.com/p/trajetorias.html

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Política, jornalismo e olhos de libélula

 


Por Míriam Santini de Abreu

Há poucos dias, caminhando nas proximidades da Câmara de Vereadores de Florianópolis, ouvi uma conversa. Um rapaz perguntava a uma moça sobre um vereador:

– Mas ele é de que bairro?

Isso de vereador “de bairro” deve ser herança das Intendências. E quem acompanha a Câmara de Florianópolis nota que a política ali se move pelo bairro. Não é por acaso o desconhecimento, desinteresse, estupidez e má-fé da maioria dos legisladores pelos grandes temas da cidade. Só tratam da vida do bairro, onde muitas vezes reina a troca de favores por votos. Vereador “da cidade” são poucos, aqueles de olhos de libélula para ver a cidade de cabo a rabo.

Daí nasce a reflexão para hoje: falar de “meio ambiente”, “desenvolvimento sustentável” e “justiça climática” agora é moda em campanhas eleitorais da esquerda à direita. É “politicamente correto” incluir o tema nas propostas para o Executivo e o Legislativo. Mas há que recordar uma reflexão do geógrafo Milton Santos: o discurso sobre a coisa, no nosso tempo, tomou o lugar da coisa. Nas redes sociais é pior ainda.

Então o caminho para ver o que está atrás do discurso é a práxis. Ação na vida cotidiana orientada por conhecimento. Um critério: onde estavam e como se movimentaram os corpos desses discursos nas grandes lutas da cidade para defendê-la dos vendilhões a serviço do lucro de poucos?

Algumas grandes lutas: 1) o Levante do TAC (Teatro Álvaro de Carvalho), em 2010, contra a proposta de revisão do Plano Diretor do então prefeito Dário Berger; 2) a mobilização popular contra a instalação do Estaleiro da OSX em Biguaçu; 3) a irrupção da Ocupação Amarildo de Souza no Norte da Ilha, gerando inédita criminalização jurídico-midiática; 4) a mobilização popular em 2013 e 2014 mais uma vez em protesto contra as mudanças no Plano Diretor na gestão do então prefeito César Souza Júnior, sob forte repressão policial; 5) a luta pela Ponta do Coral 100% Pública e contra os emissários submarinos e seus impactos ambientais, assim como as grandes marinas, os “engordamentos” de praias e a despoluição de baías, que consumiu milhões para nada; 6) a defesa das lagoas, rios, águas marinhas, manguezais, restingas, áreas de preservação permanente e unidades de conservação; 7) a mobilização popular a partir de 2020 mais uma vez em protesto contra as mudanças no Plano Diretor na gestão do então prefeito Gean Loureiro e depois de seu vice e hoje prefeito, Topázio Neto, mudança esta sacramentada em melancólica votação na Câmara de Vereadores em 2023.

A falta de memória beneficia quem some com o corpo e aparece com o discurso. O jornalismo local, a serviço e a soldo dos interesses da atual gestão da prefeitura, joga a pá de cal na possibilidade de confrontar as candidaturas. Perguntas que não perguntam, respostas que nada dizem, encenação de jornalismo e de política.

Uma aula sobre como fazer? A edição de 26/27 de abril de 1986 no Jornal de Santa Catarina, o velho Santa impresso, que encontrei graças à jornalista Roseméri Laurindo, que entrevistamos para o projeto Repórteres SC, da equipe da Pobres & Nojentas. Ela guardou, entre outras, uma página dupla do standard, sem anúncio, com o seguinte título e linha de apoio: “OCUPAÇÃO DO SOLO: em debate as garantias de preservação da Ilha”. Ali está a síntese de uma mesa-redonda organizada pelo Santa, de duas horas e 30 minutos, para debater a regulamentação do chamado Plano Diretor dos Balneários e o processo de urbanização da capital. Foram nove convidados de diferentes campos de atuação e pontos de vista.

Em apenas duas páginas, um instigante retrato da cidade naquele período, ainda mais hoje, quando a prefeitura e o empresariado são as fontes predominantes a desfilar no jornalismo local revirando a cidade, plantando cimento e falando em “inclusão” e “desenvolvimento sustentável”. Destaque para as perguntas da jornalista: inteligentes, provocativas, capazes de instigar os entrevistados a efetivamente se expor, olho no olho, na mesa do jornal e na edição depois impressa. Roseméri e o Santa fizeram outras dessas, uma delas sobre a falta de moradia em Santa Catarina nos anos 1980 e com a qual estou escrevendo um artigo. Bah, Rose!

A eleição se alimenta da desconexão da política com a vida cotidiana, real, concreta. Desconexão que também é a marca do que se pratica como jornalismo hoje. Há que perseguir o Jornalismo. O Jornalismo que dá a volta nas coisas para nelas flagrar o mal dito no discurso. O escritor José Saramago ensina isso no documentário “Janela da Alma”. Ele fala sobre a coroa mui apreciada do Camarote Real no Teatro de Lisboa. De longe e de frente, enorme, dourada, magnífica. Mas, vista de trás, oca, repleta de pó e teias de aranha. Logo ele aprendeu uma lição da qual nunca se esqueceu: “Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta. Dar-lhes a volta toda."

Sim! Político “da cidade” tem que ter olhos de libélula. E jornalista também!



sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Artigo analisa as mazelas da modernização catarinense a partir do trabalho da jornalista Elaine Borges


Mais um belo achado adicionado à lista de pesquisas sobre jornalismo ambiental em Santa Catarina. É o artigo de Isadora Muniz Vieira intitulado “A outra face da modernização de Santa Catarina: mazelas de catarinenses retratadas por Elaine Borges em O Estado (1972)”. Mesmo que a designação jornalismo ambiental tenha surgido depois dos trabalhos mencionados, vale registrar que Elaine Borges foi pioneira no olhar cuidadoso para as mazelas na relação entre sociedade e natureza em Santa Catarina.

O artigo, segundo o Resumo, "objetiva analisar representações de Santa Catarina durante as transformações do jornalismo brasileiro, em nível nacional e local, a partir das matérias da jornalista gaúcha Elaine Borges para o jornal O Estado. Através de sua trajetória profissional, a jornalista criou narrativas sobre Santa Catarina em diferentes periódicos de circulação regional e nacional num contexto que o estado se modernizava e investia em turismo a partir de iniciativas públicas e privadas. No O Estado, diferentemente de outros periódicos, a jornalista abordou o momento de modernização catarinense por outro viés, dando maior atenção aos sujeitos pertencentes às classes sociais historicamente marginalizadas que continuaram excluídas durante o processo. Assim, a intenção é analisar as matérias publicadas pela jornalista no jornal de junho a outubro de 1972, percebendo de que forma a modernização do estado e os seus habitantes foram por ela representados".

Pesquisando como O Estado havia coberto, em junho de 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente, ou Conferência de Estocolmo (saiu uma notícia breve), encontrei um texto de Elaine Borges, com cinco fotografias de Orestes Araújo, publicado em 10 de junho daquele ano, merecedor de chamada e foto na capa, intitulado “As famílias que vivem do lixo”. São nove parágrafos impecáveis. Lidos mais de 50 depois, têm a qualidade do eterno acontecer dos grandes textos jornalísticos. 

A trajetória de Elaine Borges também está contada na dissertação de mestrado de Isadora Muniz Vieira. Ali descobri que aquele foi primeiro texto da jornalista para O Estado. Ainda em 1972, para o mesmo jornal, ela fez reportagens, como enviada especial, sobre a viagem dos primeiros colonos de Santa Catarina para a Amazônia. Esse material é analisado no artigo de Isadora acima mencionado. Precioso! 

Referências

VIEIRA, I. M. A Ilha da Magia de Elaine Borges: um passeio pelo passado de Florianópolis através da trajetória da jornalista (1972 - 1999). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, 2019.

VIEIRA, I. M. A outra face da modernização de Santa Catarina: mazelas de catarinenses retratadas por Elaine Borges em O Estado (1972). Boletim Historiar, [S. l.], v. 6, n. 3, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/historiar/article/view/12651. Acesso em: 9 ago. 2024.


segunda-feira, 1 de julho de 2024

20 anos de pesquisa sobre o discurso jornalístico do desenvolvimento sustentável

 



Míriam Santini de Abreu

Há 20 anos defendi, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), minha dissertação, intitulada “O discurso jornalístico do desenvolvimento sustentável: uma interpretação sob o ponto de vista geográfico”, com orientação do professor Nazareno José de Campos. Ela virou livro pela editora da mesma universidade, com o título “Quando a palavra sustenta a farsa: o discurso jornalístico do desenvolvimento sustentável”.

Percorri três diferentes áreas de conhecimento, Geografia, Jornalismo e Análise de Discurso, para a pesquisa. Abordei a origem do conceito, ligando-o aos debates sobre a relação entre sociedade e natureza no Brasil e, especificamente, em Santa Catarina. Para isso, trabalhei com a categoria de formação socioespacial, aliada ao entendimento do meio geográfico atual como um meio técnico-científico-informacional, no caminho da obra do geógrafo Milton Santos. No jornalismo, situei historicamente a apropriação da problemática ambiental pelos meios de comunicação, na perspectiva do jornalismo como forma de conhecimento da realidade cristalizada no singular, como ensina o mestre Adelmo Genro Filho. Para fazer a análise dos dois veículos de comunicação selecionados, o JB Ecológico (Jornal do Brasil) e o AN Verde (então encartado em A Notícia), optei pela linha francesa da Análise do Discurso.

Com a pesquisa, concluí que o discurso em geral sobre a natureza é, fundamentalmente, um discurso político, de poder, construído também a partir do espaço. Com base nessas relações de poder, o discurso jornalístico do desenvolvimento sustentável produz efeitos de sentido predominantemente empresariais, mesmo quando o sujeito-jornalista se propõe a formular um discurso sobre a preservação (intocabilidade) da natureza.

Observa-se que, de uma forma ou de outra, diferentes formações socioespaciais deixam vestígios no discurso jornalístico. Esses vestígios evocam manifestações concretas (desmatamento, poluição) da relação entre sociedade e natureza. O espaço geográfico, porém, é interpretado principalmente a partir da ótica dos atores hegemônicos ou do discurso da ciência. Sobra pouca ou nenhuma possibilidade para que outros atores sociais produzam suas próprias interpretações sobre os conflitos que se estabelecem nos diferentes lugares onde os discursos jornalísticos são formulados.

A dissertação está em https://pergamum.ufsc.br/acervo/203417

De lá para cá, aprofundei no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC minhas pesquisas sobre o espaço no jornalismo. Defendi a tese há quase cinco anos, em agosto 2019.

Hoje, uma nova farsa espreita, e 20 anos atrás eu já a citava: os tais mercados de carbono. O tema é ausente na mídia de Santa Catarina, mas, em veículos nacionais, está aparecendo com mais frequência.

Temas, como diria o Senhor Spock, fascinantes!

quarta-feira, 29 de maio de 2024

O papel dos veículos independentes na cobertura da catástrofe do Rio Grande do Sul

 

Reprodução Brasil de Fato -  Vitor Shimomura / Brasil de Fato

Míriam Santini de Abreu

Veículos independentes como o Sul 21, Brasil de Fato RS, Agência Pública e Intercept Brasil, entre outros, estão cumprindo um papel dos mais relevantes na cobertura da catástrofe do Rio Grande do Sul. Os quatro operam à margem da mídia hegemônica, que se refestela com recursos públicos e faz cada vez menos jornalismo. Os veículos citados trouxeram ao debate fatos ignorados, ocultados ou mal divulgados pela imprensa tradicional, mais preocupada em tentar blindar a incompetência de prefeitos e do governador do estado. Entre esses fatos estão aqueles caros ao jornalismo ambiental.

O Sul21, no dia 6 de maio, na reportagem intitulada “Tragédia histórica expõe o quanto governo Leite ignora alertas e atropela política ambiental”, assinada por Luciano Velleda, (bit.ly/3wRHDXE), detalha as críticas de organizações não-governamentais ao governo do estado em relação às mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente e à iniciativas como a construção de barragens em áreas de preservação da natureza.

O Brasil de Fato RS tem publicado várias reportagens a partir da periferia de Porto Alegre, ouvindo populações empobrecidas que perderam o pouco que tinham e enfrentarão dificuldades inimagináveis para recompor o cotidiano. Uma delas foi a reportagem intitulada “Em bairro 'esquecido' de Porto Alegre (RS), enchente faz emergir solidariedade” (bit.ly/3wJ7otf), assinada por Murilo Pajolla e publicada no dia 27 de maio.

Outra reportagem do Brasil de Fato RS, intitulada “Com 180 mil pessoas atingidas pela enchente, Canoas tem atendimento do CRAS interrompido” e assinada por Clara Aguiar em 21 de maio (https://abrir.link/gwxvN), repercutiu e serviu de base para denúncia junto ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS). A repórter, em sua conta na rede social Instagram (@claguiar), avalia a repercussão do relato sobre as dificuldades enfrentadas pelas famílias vítimas da enchente ao tentarem se cadastrar no CadÚnico em Canoas, município vizinho de Porto Alegre. O cadastramento é essencial para que pessoas atingidas possam ter acesso aos benefícios do governo estadual e federal. “O jornalismo de impacto desempenha um papel crucial especialmente nesse momento em que milhares de vítimas da enchente buscam auxílio e informações confiáveis”, comenta Clara Aguiar na postagem.

Com o título “O passo-a-passo da inoperância no RS, segundo um dos responsáveis por alertar as autoridades” (bit.ly/4bBFzls), o Intercept Brasil divulgou reportagem assinada por Paulo Motoryn e Marcelo Soares no dia 15 de maio revelando grave conflito de interesses: uma das empresas responsáveis pela manutenção do sistema de contenção de inundações de Porto Alegre tem, entre seus sócios, um ex-funcionário da prefeitura que, por dois anos, foi o responsável por sua fiscalização.

No dia 22 de maio, a Agência Pública divulgou a reportagem intitulada “Militares e políticos sem experiência estão à frente da Defesa Civil em cidades do RS” (bit.ly/3VkpXNQ), assinada por Rafael Oliveira, tendo, para isso, analisado o orçamento empenhado para a Defesa Civil por esses municípios e pelo estado nos últimos três anos. Os dados foram extraídos diretamente do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), abastecido pelos próprios governos estaduais e municipais.

As reportagens mencionadas são exemplos do conjunto da cobertura dos quatro veículos, que disponibilizam, em suas páginas, outros textos tão significativos quanto os acima citados.

A designação de imprensa/jornalismo tradicional, também chamada de convencional, faz referência aos grupos e empresas controladoras do setor no Brasil. Sobre o jornalismo independente, há inúmeras pesquisas que investigam o tema, sendo uma delas o trabalho de M. Silva (2017), que mapeia 30 iniciativas criadas entre 2013 e 2015 no Brasil, por ela denominadas novas experiências de jornalismo. Segundo a autora, as expressões geralmente aplicadas a esse tipo de iniciativa – jornalismo independente, jornalismo alternativo, mídia radical, mídia contra-hegemônica – não dão conta de toda a variedade de propostas que compõem tais iniciativas.

Este artigo toma o papel da imprensa tradicional/hegemônica como o de manutenção da ordem social e, em contrapartida, o da imprensa independente/alternativa/contra-hegemônica como o de crítica a esta ordem para a construção de outro modo de organização social. Os quatro veículos citados, em maior ou menor grau, explicitam essa perspectiva, e de forma concreta trazem ao fazer e ao discurso jornalístico um conjunto de temas, pontos de vista e fontes invisibilizadas ou negligenciadas no debate público.

Nesta direção, prestam-se ao exercício do direito à fala e à escrita muitas vezes proscrita na imprensa tradicional.

Idealizador da ideia do direito à cidade, Henri Lefebvre, em artigo no livro “Du Contrat de Citoyenneté”, publicado em 1990, lista o que nomeia como “Os novos direitos do cidadão”. Entre eles estão o direito à informação e o direito à expressão. Diz Lefebvre que um cidadão não deve nem pode ficar calado sobre o que o preocupa e que lhe diz respeito, mesmo que apenas indiretamente: “Isso é muito: todos os assuntos da sociedade preocupam todos os membros. Daí o direito de refletir, de falar, de escrever” (LEFEBVRE, 1990. p. 34).

É possível afirmar que no nascedouro da catástrofe que se abate sobre o Rio Grande do Sul estão também esses direitos sufocados ou mal-ouvidos pelas autoridades hoje apressadas em se livrar de sua cota de responsabilidade. Que bom termos veículos como os quatro citados, entre outros, para trazer à tona fatos que, para essas autoridades, deveriam estar convenientemente esquecidos. Sobrevivem a duras penas e fazem jornalismo à altura desses duros tempos. 

Referências 

LEFEBVRE, HENRI et LE GROUPE DE NAVARRENX . Du Contrat de Citoyenneté. Paris: Editions Syllepse et Editions Periscope, 1990. 

SILVA, Mariana da Rosa. Tensões entre o alternativo e o convencional: organização e financiamento nas novas experiências de jornalismo no Brasil. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Santa Catarina, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/185627. Acesso em: 28 maio. 2024. 

* Jornalista, doutora em Jornalismo, mestre em Geografia e especialista em Educação e Meio Ambiente


A crise climática na cobertura jornalística das catástrofes em Valência e Porto Alegre

Por Míriam Santini de Abreu  “Devastadora”, “trágica”, “catastrófica” e “apocalíptica” são adjetivos que a imprensa espanhola está usando pa...