sexta-feira, 28 de março de 2025

“Fala Campeche”, jornal a serviço da luta socioambiental em Florianópolis

 





Por Míriam Santini de Abreu - jornalista

O colega jornalista Silvio da Costa Pereira, sabendo do trabalho que temos feito em prol da memória do jornalismo alternativo/independente em Florianópolis, enviou exemplares do jornal impresso “Fala Campeche”. Silvio era um dos jornalistas que produziam o jornal. O “Fala Campeche” foi um marco por visibilizar as lutas do distrito, no Sul da Ilha de Santa Catarina, pela preservação ambiental.

Recebi um exemplar de 15 diferentes edições entre dezembro de 1997 e março de 2007. O jornal surgiu em julho de 1997 e, em março de 2007, a edição número 20 – a última disponível no lote –, comemorava os dez anos de existência e citava a impressão de 8 mil exemplares por edição.

Estão narradas ali as lutas da associação de moradores contra o projeto do IPUF para o Campeche, que desconsiderava a fragilidade ambiental do distrito, os embates na Câmara de Vereadores, a pesca da tainha, a fundação da rádio comunitária, a construção do primeiro prédio de cinco andares no bairro, o fim do Bar do Chico.

Vieram, com os jornais, fotos que mostram o Campeche daquele tempo. Dramática mudança de lá para cá a serviço da especulação imobiliária.

O livro “O campo de Peixes e os Senhores do Asfalto. Memória das lutas do Campeche”, de Janice Tirelli, Raúl Burgos e Tereza Cristina P. Barbosa (organizadores), cita o jornal “Fala Campeche” e recupera a memória do movimento comunitário do distrito, contribuindo com elementos históricos e técnicos sobre as lutas que marcaram as últimas décadas.

Vou deixar os exemplares recebidos aos cuidados da Hemeroteca Digital Catarinense, que com carinho cuida da memória do jornalismo catarinense, na atualidade definhando em silêncio.

quinta-feira, 27 de março de 2025

Grupos de mídia de Florianópolis silenciam conflitos de interesses públicos e privados na especulação imobiliária no litoral

Print screen de tela do "Já"

Míriam Santini de Abreu - jornalista

Causou repercussão em Florianópolis (SC) a notícia do veículo “Já”, de Porto Alegre (RS), sobre o projeto de construção da uma avenida nos Ingleses, norte da Ilha de Santa Catarina, com a justificativa de desafogar o trânsito na região, uma das mais frequentadas por turistas durante a temporada de verão. A reportagem foi publicada no dia 12 de março na aba temática “Ambiente Já” (https://www.jornalja.com.br/ambiente/uma-avenida-beira-mar-na-praia-dos-ingleses-o-que-ha-por-tras-do-projeto/).

O veículo, que completa 40 anos de existência em 2025, expõe que o projeto foi encomendado e “doado” pelo empresário Fernando Marcondes de Mattos, proprietário do Costão do Santinho e do Costão Golf, ambos também no Norte da ilha. O fato é que a avenida, se aprovada e construída, facilitaria o projeto de expansão do Costão do Santinho. O principal obstáculo para o licenciamento, mostra o veículo, é a mobilidade na região onde, no verão, pode-se levar duas horas para vencer um trecho de dois quilômetros.

A notícia do “JÁ” expõe a frouxidão de tudo o que se entende por jornalismo na mídia de Florianópolis, incapaz de produzir notícias e reportagens sobre as consequências da voracidade imobiliária sobre o litoral do estado. 

O vereador de Florianópolis Afrânio Boppré (PSOL), no Instagram, citou a notícia do “JÁ” e alfinetou: “Quem sabe estimula a imprensa local a cobrir o assunto, além das versões oficiais” (https://www.instagram.com/p/DHJhjUnR9W-/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==). 

O portal ND+, do Grupo ND, trata do assunto em notícia intitulada “Projeto em Florianópolis prevê nova avenida para desafogar o trânsito no Norte da Ilha” e informa: “Em uma reunião na última quarta-feira (12), no Costão do Santinho, promovida pelo proprietário do resort, Fernando Marcondes de Mattos, com a presença do secretário municipal de Infraestrutura e Manutenção, Rafael Hahne, e das equipes de reportagem do Grupo ND, foram apresentados, em primeira mão, os detalhes deste plano”. Mas não há menção ao projeto de expansão do Costão do Santinho (https://ndmais.com.br/transito/projeto-em-florianopolis-preve-nova-avenida-para-desafogar-o-transito-no-norte-da-ilha/). 

A construção do texto ressalta a “doação” do empresário e informa que “(...) a nova avenida será construída no espaço hoje ocupado por parte da faixa de areia, aproveitando o engordamento feito em 2023”. Em 12 linhas no final do texto, um engenheiro e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e uma moradora expõe preocupações sobre o impacto ambiental da obra, mas o portal não desenvolve a abordagem. 

A CBN, do Grupo NSC, com o título “Florianópolis planeja nova avenida para melhorar mobilidade no Norte da Ilha”, entrevista o secretário Rafael Hahne, que menciona detalhes da obra citando apenas a Prefeitura (https://cbntotal.com.br/cotidiano/florianopolis-planeja-nova-avenida-para-melhorar-mobilidade-no-norte-da-ilha/). 

Os demais veículos limitaram-se a reproduzir a versão da Prefeitura, sem se referir à prática questionável de misturar interesse público com interesse privado nem produzir notícias ou reportagens capazes de explicar as conexões entre o investimento com recursos públicos, as alternativas para a mobilidade na região e os impactos da projetada avenida. Não fosse a iniciativa noticiosa do veículo do estado vizinho, passaria em branco mais uma demonstração da tibieza da mídia local no debate sobre o impacto socioambiental dos grandes empreendimentos que pouco a pouco vão destruindo a faixa litorânea.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

A relação sociedade-natureza no ensino do jornalismo

 


Míriam Santini de Abreu - jornalista

Apresentei resumo expandido de Comunicação Científica no Encontro Regional Sul e no Encontro Regional Centro-Oeste de Ensino de Jornalismo (Erejor Sul e Erejor Centro-Oeste) sobre a relação sociedade-natureza no ensino do jornalismo.

Seguem considerações sobre a realidade em Santa Catarina que podem servir de reflexão para o ensino do jornalismo em outros estados.

A RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA NO ENSINO DO JORNALISMO 

A chamada crise climática visibiliza de modo contundente a relação entre sociedade e natureza sob a atual fase do modo de produção capitalista. Fenômenos como enchentes e secas cada vez mais frequentes e intensos são expressões desta realidade e recebem cobertura jornalística episódica em Santa Catarina. A preocupação desta Comunicação Científica é apresentar caminhos para o ensino do jornalismo no estado abrir-se a esta realidade e à complexa formação socioespacial catarinense e a partir dela incorporar (adicionar algo novo a determinado ser ou corpo, conjunto ou realidade) o cotidiano e o espaço (como produto social) na totalidade do curso e na formação integral do estudante.

Poderia se advogar a necessidade de os cursos oferecerem disciplinas como jornalismo ambiental, especialização jornalística consolidada no Brasil no último quarto do século XX, mas não basta. Iniciativas nesta direção em Santa Catarina revelam-se insuficientes para enriquecer, com os estudantes, a experiência do corpo no espaço e no cotidiano. São iniciativas que exibem poucos resultados no ensino, na pesquisa e na extensão e morrem pouco a pouco no curso dos semestres. Há que investigar até que ponto esta constatação se reflete na cobertura jornalística, por sua vez mediada pelos interesses empresariais, visto que da década de 1980 para cá foram diminuindo as iniciativas de cadernos, editorias ou mesmo coberturas mais abrangentes com pauta ambiental no estado.

Para apresentar dados, realizou-se investigação específica sobre as pesquisas no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes e nos repositórios institucionais das universidades públicas (Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS e Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC) e do Sistema Acafe (Associação Catarinense das Fundações Educacionais), a partir do termo “jornalismo ambiental”. Cabe citar que nem todos os repositórios das universidades comunitárias (Sistema Acafe) são abertos para não-membros da comunidade acadêmica e nem apresentam a totalidade dos trabalhos produzidos por aquelas universidades. Para  ampliar o escopo de materiais, recorreu-se às referências bibliográficas dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), dissertações, artigos e livros encontrados sobre o tema.  A partir daí, organizou-se repositório de pesquisas na perspectiva do Estado da Arte e o Estado do Conhecimento, para “rever caminhos percorridos, portanto possíveis de serem mais uma vez visitados por novas pesquisas, de modo a favorecer a sistematização, a organização e o acesso às produções científicas e à democratização do conhecimento (SILVA et al, 2020, p.2). As pesquisas encontradas estão disponíveis em https://jornalismoambientalsc.blogspot.com/p/pesquisas_99.html

O levantamento no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, realizado em agosto de 2024, com o termo “Jornalismo ambiental”, apresentou 194 resultados. Refinados por Instituição, especificamente a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Regional de Blumenau (FURB) – as duas únicas de Santa Catarina relacionadas –, o resultado baixou para 10. A leitura do material, porém, mostrou que apenas 4 tinham relação com o termo pesquisado, todas elas dissertações de mestrado.

A ampliação da busca, conforme os critérios já indicados, revelou a existência de 7 Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), 6 dissertações (inclusive as 4 já mencionadas), 11 artigos e 2 livros. A mais antiga pesquisa localizada foi dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC, em 2004, analisando o discurso jornalístico sobre o desenvolvimento sustentável em dois veículos impressos, a qual foi publicada em livro em 2006. A mais recente, de 2024, foi outra dissertação de mestrado com ênfase nos direitos humanos e da natureza sob a perspectiva de dois grupos de mídia de Santa Catarina, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC.

Na análise dos materiais, percebe-se que a revisão bibliográfica das pesquisas traz o conhecimento do jornalismo em geral e do jornalismo ambiental em particular, mas as pesquisas, independentemente da orientação teórico-metodológica e dos objetos empíricos, em geral não dialogam com trabalhos anteriores, ainda que poucos, produzidos no estado. A mais recente pesquisa encontrada, da jornalista Camila Collato, dialoga com trabalhos anteriores e conclui o seguinte em relação à cobertura dos jornais A Notícia (AN), Diário Catarinense (DC) e Jornal de Santa Catarina (JSC), no período de 2014 a 2018: a) a cobertura privilegia uma constituição antropocêntrica de sentidos, apoiando-se em uma base científica moderna em relação ao meio ambiente, sendo este abordado majoritariamente por meio do dualismo humano x Natureza; b) é fragmentária, ao apresentar uma baixa interlocução entre áreas de conhecimento e saberes e; c) por vezes, é fatalista, ao furtar-se do papel de fomentador de um debate público crítico sobre responsabilidades e possíveis soluções diante dos problemas ambientais enfrentados pela população.

É uma pesquisa importante por apontar as limitações da cobertura jornalística sobre a relação sociedade-natureza em Santa Catarina. Destaca-se que, nos anos de 1978 e 1979, havia duas páginas inteiras dedicadas ao meio ambiente no Jornal de Santa Catarina, publicadas no final de semana com edição do jornalista blumenauense Moacir Loth em parceria com a Associação Catarinense de Preservação da Natureza (Acaprena), fundada em 1973. Provavelmente, trata-se de uma das primeiras iniciativas no país de uma editoria dedicada exclusivamente ao meio ambiente. Segundo Loth (2023), essa editoria alçou, involuntariamente, o Jornal de Santa Catarina na vanguarda do que seria mais tarde conhecido como jornalismo ambiental.

Atualmente, no estado, o site do jornal O Blumenauense tem uma aba específica denominada Meio Ambiente dentro do link Geral. A primeira notícia é datada de 11 de outubro de 2013. São, portanto, 11 anos de cobertura. A Folha Metropolitana, de Joinville, também exibe, no menu do site, o link Meio Ambiente. A primeira notícia com a cartola MEIO AMBIENTE é datada de 28 de julho de 2022. São iniciativas que merecem pesquisas específicas sobre conteúdos e discursos, sendo uma delas a de Vieira (2021), que, em Trabalho de Conclusão de Curso, analisa as práticas de jornalismo ambiental nos portais de notícia de Blumenau e região.

A pouca quantidade de pesquisas e veículos encontrados é incompatível com a realidade socioespacial diversa de Santa Catarina e a necessidade de um jornalismo que a interprete. O geógrafo Armen Mamigonian (2003) afirma que, no decorrer do processo histórico, delinearam-se em Santa Catarina três regiões industriais importantes identificadas como a região alemã, o Oeste agroindustrial e a região carbonífero-cerâmica do Sul. Cada uma dessas regiões lida com impactos ambientais comuns, como o desmatamento e a poluição do solo e da água, mas singulares na forma como se expressam no cotidiano da população. Porém, o jornalismo catarinense não tem abordado tão complexa realidade e parte expressiva das pesquisas científicas localizadas também não leva em conta essas particularidades socioespaciais.

O caminho, para além da oferta de disciplinas eventuais, é levar o estudante a experenciar o cotidiano e o espaço (como produto social) na totalidade do curso. Cotidiano e espaço são aqui tratados na perspectiva marxista, na linha teórica de G. Lukács (!966) e H. Lefebvre (2013). No senso comum, cotidiano é o que ocorre todos os dias, o banal, o corriqueiro, o repetitivo. Mas nele também nasce a ruptura, a possibilidade de transformação social. O novo, afinal, emerge no cotidiano, e é no espaço que este cotidiano, em sua riqueza e miséria, se realiza. As transformações pelas quais passa o jornalismo como fazer profissional e também como negócio, porém, estão afastando o estudante e o jornalista do cotidiano e da experiência vivida no espaço.

A proposição-chave para compreender o espaço lefebvriano assim se coloca: o espaço (social) é um produto (social). Cada sociedade produz seu espaço no processo histórico da produção social, e assim o espaço e o tempo são históricos. O espaço serve tanto de instrumento do pensamento como da ação e, simultaneamente, constitui um meio de produção, um meio de controle e, em consequência, um meio de dominação e de poder (LEFEBVRE, 2013, p. 86). De igual modo, na obra do autor, a explicação de como o espaço é produzido se dá pela interconexão de três dimensões ou três níveis do real: o percebido, o concebido e o vivido, articulados, respectivamente, às práticas espaciais, às representações do espaço e aos espaços de representação (LEFEBVRE, 2013, p. 97). A compreensão desta tríade conceitual percebido-concebido-vivido pode permitir ao estudante movimentar-se no espaço de modo crítico, aspirando, na produção jornalística, à intepretação do fato em sua totalidade, na linha teórica do jornalismo como forma de conhecimento cristalizada no singular (GENRO FILHO, 1989), relação desenvolvida em Abreu (2019).

Nos cursos, a teoria de Adelmo é tratada com uma a mais entre outras tantas a serem citadas nas disciplinas tidas como “teóricas”, o balaio das teorias. Tomá-la desta forma é reduzi-la irremediavalmente e não compreender como ela se posiciona em relação ao conhecimento da realidade e, especificamente, deste conhecimento pelo jornalismo, como destaca Osório:

Ao mesmo tempo em que pensa o jornalismo como uma forma de conhecimento, cuja potência epistemológica logo recordarei, Adelmo pensa a prática do jornalismo também como o exercício do conhecimento, na medida em que a apreensão da realidade de modo produtivo e jornalisticamente consequente presume um razoável conhecimento de tal realidade. Essa dimensão epistemológica da práxis jornalística constituía uma das suas principais preocupações quanto à compreensão e aplicação da sua teoria. Antes de tudo, dizia ele, o jornalista deve saber como conhecer a realidade, como dela se aproximar. Considerava esse atributo como algo prévio às técnicas da redação jornalística. (OSÓRIO, 2021)

A citação evidencia que o estudo da contribuição de Adelmo abre aos estudantes a possibilidade de entendimento crítico da realidade, precedendo o conhecimento de técnicas hoje vistas já no primeiro semestre dos cursos. Com base nos currículos, aprende-se a “técnica” de escrita da notícia a partir do “fato” antes da compreensão dos fenômenos que povoam a realidade e das conexões entre eles. Tal compreensão deveria ser a base para todas as disciplinas do curso.

Para isso, o caminho, no ensino, na pesquisa e na extensão, é constituir possibilidades de experiências na perspectiva de Heidegger, como algo que nos acontece, nos alcança, se apodera de nós, nos tomba e nos transforma: “Cuando hablamos de «hacer» una experiencia, esto no significa precisamente que nosotros la hagamos acaecer; hacer significa aquí: sufrir, padecer, tomar lo que nos alcanza receptivamente, aceptar, en la medida en que nos sometemos a ello. Algo se hace, adviene, tiene lugar (1987, p. 143).

Bondía (2002) assinala que a experiência é cada vez mais rara pelo excesso de informação, pelo excesso de opinião, por falta de tempo e por excesso de trabalho. A experiência requer um gesto de interrupção quase impossível no tempo presente, mas é por ela que passa, diz o citado autor, a “abertura para o desconhecido” (BONDÍA, 2002, p. 19). Essa abertura para o desconhecido, o singular, o novo no cotidiano e no espaço é imprescindível para renovar o jornalismo. No ensino, na pesquisa e na extensão, um dos caminhos possíveis é sair da sala de aula e experimentar a rua, a chamada periferia, os lugares de expressão do conflito e da festa, como as caminhadas peripatéticas em percursos urbanos descritas em Peres. O autor afirma que a experiência pelo corpo, e não somente letrada, é vida pulsante, conhecimento vivido que deixará marcas indeléveis no estudante para além da academia: “(...) é totalidade que vai se formando e que somente ele pode vivenciar e passar adiante, como um marinheiro que viajou muitos mares e só a partir daí, para além da cartografia científica e ensinada por fontes secundárias e laboratoriais, começa a compreender o mundo como é construído” (PERES, 2019).

Para este movimento, é imprescindível que o estudante, já nas fases iniciais, conheça a realidade socioespacial do estado, do país, do mundo sob a globalização e seus impactos sociais e ambientais e possa se posicionar de forma crítica, para além da mera soma de informações sem conexão entre si que muitas vezes caracteriza o ensino fundamental e o médio.

É uma articulação do ensino, pesquisa e extensão nos cursos de jornalismo que se apropria das três dimensões que o estudante e o jornalista devem explorar para o espaço se fazer presença no texto em sua totalidade, na perspectiva de H. Lefebvre: a prática social (percebido), o conhecimento/pensamento (concebido) e a prática criadora (vivido), elucidando assim, no fazer jornalístico, a experiência vivida no espaço. 

REFERÊNCIAS 

ABREU, Míriam Santini de. Espaço e cotidiano no jornalismo: crítica da cobertura da imprensa sobre ocupações urbanas em Florianópolis. Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2019. Disponível em: http://tede.ufsc.br/teses/PJOR0134-T.pdf. Acesso em: 20 out. 2024. 

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n.19, pp.20-28. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1413-24782002000100003&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 out. 2024. 

COLLATO, Camila. Jornalismo ambiental em Santa Catarina: direitos humanos e da natureza sob a perspectiva dos grupos RBS e NC. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/254439. Acesso em: 27 out. 2024. 

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo, Porto Alegre: Tchê, 1989. 

HEIDEGGER, Martin. La esencia del habla. In: De camino al habla. Barcelona: Ediciones del Serbal, 1987. 

LEFEBVRE, Henri. La producción del espacio. Espanha: Capitán Swing, 2013. 

LOTH, Moacir. A cobertura de meio ambiente no Jornal de Santa Catarina. In: ROSA, Edson et al. Território e texto: jornalismo ambiental em Santa Catarina. Florianópolis (SC): Pobres & Nojentas; Letra Editorial, 2023, p. 89-90. 

LUKÁCS, Georg. Estetica I: la peculiaridad de lo estético. Barcelona, México: Edições Grijalbo, 1966. 

MAMIGONIAN, A. Projeto integrado de pesquisa: Santa Catarina – sociedade e natureza. Relatório final de pesquisa. Florianópolis, 2003. 

OSÓRIO, Pedro Luiz da Silveira. O jornalismo como forma de conhecimento: o legado de Adelmo Genro Filho. Disponível em: https://faroljornalismo.cc/blog/2021/11/11/o-jornalismo-como-forma-de-conhecimento-o-legado-de-adelmo-genro-filho/ . Acesso em: 11 nov. 2024.

PERES, Lino Fernando Bragança. Percursos urbanos: caminhar para desvendar a cidade. Disponível em: http://professorlinoperes.com.br//pagina/1019/percursos-urbanos-caminhar-para-desvendar-a-. Acesso em: 20 out. 2024. 

SILVA, Anne Patricia Pimentel Nascimento da; SOUZA, Roberta Teixeira de e  VASCONCELLOS, Vera Maria Ramos de. O Estado da Arte ou o Estado do Conhecimento. Educação. Porto Alegre [online]. 2020, vol.43, n.3. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?pid=S1981-25822020000300005&script=sci_abstract. Acesso em: 20 out. 2024. 

VIEIRA, V. P. Meio ambiente em pauta: uma análise sobre as práticas de jornalismo ambiental nos portais de notícia de Blumenau e região. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Jornalismo, Universidade Regional de Blumenau, FURB, Blumenau, 2021. Disponível em: https://bu.furb.br/docs/MO/2021/368395_1_1.pdf . Acesso em: 31 jan. 2024.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024



Míriam Santini de Abreu, jornalista

Pesquisei os significados do verbo sustentar e eles caem bem para os incômodos provocados por respostas à pergunta do título. Parte deles nasceu de um conjunto de constatações nascidas em grupos de jornalismo virtuais dos quais participo. São as seguintes: 1) quantidade expressiva deste sustento tem vindo hoje de editais de tudo quanto é tipo e fonte; 2) os editais trazem à reflexão a lógica do debate sobre políticas públicas universais ou focalizadas e 3) parte expressiva dos editais distribui recursos de financiadores cuja origem e prática histórica devem ao menos serem alvos de reflexão cuidadosa. 

Trago exemplos: um número significativo de editais tem focado a cobertura jornalística da Amazônia, em especial o dito jornalismo de dados ambientais. Editais para reportagem (e também cursos) nesta área envolvem, por exemplo, a Open Knowledge International, rede cujos parceiros, apoiadores e financiadores incluem o Departamento de Estado dos Estados Unidos, a Fundação Lemann, catalisadora de interesses do grande empresariado, e o Google News Initiative, que “busca combater a desinformação, compartilhar recursos e criar um ecossistema de notícias diverso e inovador” mas, de concreto, está mesmo é matando o jornalismo.

Outra apoiadora destes editais para cursos e coberturas na região amazônica é USAID, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, fundada pelo presidente John F. Kennedy nos anos 1960 e cuja missão é a seguinte: “Em nome do povo americano, promovemos e demonstramos valores democráticos no exterior e avançamos um mundo livre, pacífico e próspero”. Uma breve referência ao que a USAID já fez no Brasil: logo depois do golpe de 1964, apoiado pelo governo dos Estados Unidos, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) firmou acordos de assistência técnica com esta agência que foram a base de uma profunda reforma do ensino brasileiro voltada para os interesses do mercado.

Em maio passado, a agência anunciou um investimento de 21 milhões de dólares para “apoiar a implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI) na Amazônia brasileira”. Segundo o site da USAID Brasil, os “projetos representam a continuação de uma colaboração de longa data entre o Brasil e os Estados Unidos, que já se estende por 200 anos”. A tal parceria conta com a participação de diversos órgãos governamentais e entidades, como a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). São, portanto, órgãos do governo brasileiro a serviço dos interesses dos Estados Unidos na região detentora de primeiros lugares em quesitos (água, floresta, recursos minerais) tomados como mercadoria nos negócios destruidores da natureza.

O documento “Estratégia climática da USAID 2022-2030” (disponível em https://www.usaid.gov/sites/default/files/2023-02/USAID-Climate-Strategy-BR-Portuguese.pdf) merece leitura atenta. Ele indica que os “parceiros” preferenciais da agência são “Povos Indígenas, comunidades locais, mulheres, jovens e outros grupos marginalizados e/ou com pequena representação em pelo menos 40 países parceiros”. É o público mais frequentemente citado para atendimento nos editais. 

Segundo a USAID, os “grupos marginalizados e com pequena representação podem incluir, mas não estão limitados a, mulheres e jovens com atenção especial para meninas, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQI+, pessoas deslocadas, migrantes, povos e comunidades indígenas, crianças na adversidade e suas famílias, idosos, minorias religiosas, grupos étnicos e raciais, pessoas em castas inferiores, pessoas com necessidades de saúde mental não satisfeitas e pessoas de diversas classes econômicas e opiniões políticas”.  

A página 19 do documento traz uma justificativa importante:

“Povos Indígenas e comunidades locais são os principais interessados e agentes de mudança para enfrentar a crise climática. Os Povos Indígenas e comunidades locais têm direitos de posse e/ou gestão de mais de um quarto das terras do mundo, que se cruzam com 40 por cento das Áreas Protegidas terrestres, paisagens intactas e ecossistemas críticos. Existem evidências claras e crescentes de que as terras que os Povos Indígenas e as comunidades locais administram são altamente eficazes para sequestrar as emissões e promover a adaptação através da gestão da terra e da água”.

Pois é! Tudo negócio! O fato é que, como diz a professora Camila Feix Vidal, do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA/UFSC), essas agências, com alegadas razões humanitárias e sob roupagem virtuosa, escondem interesses materiais bem concretos, entre eles dominar, entre outros, o conhecimento dos povos originários. A palestra na qual Camila fala sobre o assunto, promovida pelo IELA/UFSC, pode ser vista em https://www.youtube.com/watch?v=j6__1iklgww.

É nesta perspectiva que deve ser lida a menção do documento à mídia: “Apoiar a sociedade civil e a mídia, incluindo organizações lideradas por cidadãos e jovens, mídia independente e jornalismo investigativo para se engajar de forma segura e eficaz na defesa, educação, monitoramento e divulgação dos objetivos e ações climáticas”.  

Pensando nos significados do verbo sustentar, tomo o de “perpetuar” para que organizações e coletivos que funcionam com recursos dessas agências fiquem de olho para identificar que realidade perpetuam. Não se trata de certo ou errado, e sim de não cair em contradição na defesa do jornalismo a serviço da emancipação humana, na perspectiva da teoria marxista do jornalismo do teórico gaúcho Adelmo Genro Filho.

DINHEIRO PÚBLICO

Os editais em diferentes áreas aparecem como saída para pessoas, coletivos, associações etc que buscam fazer o jornalismo hoje cada vez mais raro nas empresas jornalísticas, aquele capaz de interpretar a realidade na perspectiva da totalidade. Uma questão a ser pensada, porém, é que esses editais atendem geralmente perspectivas focalizadas de jornalismo. Isto não seria um problema se estivesse quitada a dívida com o jornalismo que aspira à compreensão da totalidade dos fenômenos da realidade. Os recursos alimentam a sobrevivência das capelas, mas quem alimenta a sobrevivência da catedral?

Os editais mascaram uma situação perversa: a recente divulgação, pelo Ministério da Fazenda, da lista das empresas beneficiadas por renúncias fiscais apresenta mais de uma dezena de empresas de comunicação. São milhões de reais que deixam de ir para os cofres públicos, alimentando o caixa de grupos de mídia diariamente refestelados no mercado noticioso da ideologia enquanto pingam, dos editais, recursos magros para o jornalismo efetivamente comprometido com a maioria da população.

Em Santa Catarina, onde os dois maiores grupos de mídia transformam os portais em boletins de ocorrência e sucessão de banalidades, o jornalismo vai rapidamente morrendo enquanto crescem os repasses de recursos públicos por eles recebidos. Tal situação foi levada à bancada do PT e do PSOL ainda no primeiro semestre, mas de lá para cá nada mudou. A comunicação/jornalismo não aparece como prioridade no campo partidário progressista catarinense, ao contrário dos grupos dominantes, que não descuidam de suas usinas ideológicas regadas a dinheiro público.

A página da Assembleia Legislativa escancara o fato. No link sobre Despesas e Receitas/Contratos de Publicidade, aparecem centenas de repasses de janeiro até o final de novembro. Os repasses, beneficiando especialmente os associados da Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert), jorram da ALESC, do governo do estado, do Ministério Público estadual e do Tribunal de Contas, sem falar do dinheiro repassado por prefeituras, e não se ouve um pio. As poucas verbas que caem deste pires gigante, sobras de uma ou outra campanha publicitária que o nosso campo partidário eventualmente consegue acessar, são repassadas a uma ou outra entidade sem que se conheçam os critérios, e o mesmo vale para eventuais emendas parlamentares quando, muito raramente, se lembram do jornalismo. Na real, o jornalismo vale pouco para o nosso campo. 

JORNALISMO CONTRA-HEGEMÔNICO

O jornalismo contra-hegemônico implica um projeto contra-hegemônico que o sustente. Por isso, a lógica que move coletivos independentes é buscar apoio nas centrais sindicais, sindicatos, partidos e movimentos populares que lutam pela constituição de outra forma de organização social. No primeiro semestre, buscamos neste meio, em Florianópolis, possibilidades de apoio para a produção de um veículo de comunicação que fizesse jornalismo em um período tão pródigo em disseminação de ideologia quanto o período eleitoral. Sem fatiar, segmentar, fragmentar, focalizar. Jornalismo para cobrir a cidade e a vida da população. A repercussão do pedido de apoio foi quase nula. 

Percebe-se que, também no campo popular, a constituição de “capelas” é a prioridade. O investimento, quando há, vai para materiais e redes sociais próprias, com raras exceções. Numa capital de 500 mil habitantes, também não conseguimos 100 apoiadores individuais que paguem 100,00 ou 200 que paguem 50 para ao menos mantermos um portal de notícias. Em Porto Alegre, por exemplo, Sul21Brasil de Fato RS e Matinal fazem jornalismo independente sem fatiar os fenômenos da realidade. A descrição de seus perfis no Instagram traz essa percepção: Matinal: “Jornalismo local e cultura de Porto Alegre. Porto para quem se importa”; Brasil de Fato RS: “Uma visão popular do Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo”. Sul 21: “Jornalismo independente e de impacto social”. 

Para concluir, recorro a outros cinco significados do verbo sustentar: 

- Impedir que alguma coisa caia.

- Fazer frente a; resistir a.

- Alimentar; dar o necessário para viver a.

- Fortificar; defender.

- Pelejar a favor de; defender com argumentos. 

E pergunto: quem, nesta ilha de jornalismo desterrado, vai pelejar por nós e sustentar o Jornalismo?

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Economia Verde em Santa Catarina: muito discurso, pouca prática e mídia conivente



Por Míriam Santini de Abreu, jornalista

Os veículos de comunicação anunciaram de forma oficialesca o lançamento, em setembro, do documento intitulado “Uma abordagem preliminar da Economia Verde no estado de Santa Catarina”, nascido das entranhas do governo Jorginho Mello. São 36 páginas de estatísticas e lugares-comuns que mascaram, pelos mecanismos ideológicos, a realidade socioambiental catarinense.

O Jornal do Almoço, do grupo NSC/Globo, divulgou notícia em 18 de setembro [1] e limitou-se a reproduzir as informações do documento e entrevistar o secretário de Planejamento e o governador. Jorginho Mello disse que a intenção é remunerar os pequenos agricultores pelo que eles já preservam em suas propriedades, mantendo matas e mananciais. Destaco o trecho final da entrevista: “Nós somos um estado que cuidamos da natureza, mas a gente quer ter este ativo ao nosso favor para que a gente consiga daqui um pouco ter a capacidade de vender na bolsa de valores, enfim, e crédito de carbono". Os dados, finaliza a repórter, irão subsidiar políticas públicas relacionadas à preservação ambiental e à economia.

No mesmo dia, o Balanço Geral Florianópolis, do grupo ND/Record, também noticiou o levantamento entrevistando apenas o secretário de Planejamento, que fala sobre e estudo e informa a mudança, viabilizada pela reforma administrativa de Mello, de Secretaria de Estado do Meio Ambiente em Secretaria de Estado do Meio Ambiente e da Economia Verde. 

Nos portais noticiosos dos grupos, a cobertura seguiu na mesma lógica, limitando-se às fontes do governo. Não encontrei uma boa reportagem com outras fontes para interpretar os dados, tensionar o discurso do governo e desvendar o que está atrás das estatísticas.

A dita economia verde foi apresentada em 2008 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, em 2014, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mensurou a alocação de recursos nas atividades econômicas de acordo com a classificação delas na perspectiva da economia verde. Usando a metodologia da associação dos banqueiros é que o governo Jorginho Mello fez o estudo. Os dados divulgados afirmam, por exemplo, que 90% do agro catarinense é considerado “verde”.

Faço um recorte neste setor porque a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 19, projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil e uma das críticas é justamente a exclusão de setores como o agropecuário. Assim, as emissões indiretas de dióxido de carbono e outros gases relacionados ao aquecimento global decorrentes da produção de insumos ou matérias-primas agropecuárias não serão consideradas para impor obrigações de contenção de emissão de gases. O agro pressionou, recorreu a subterfúgios e ficou de fora.

Quem fez, a meu pedido, uma análise sucinta e precisa foi o biólogo, ambientalista e professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), João de Deus Medeiros, fonte indispensável para quem pesquisa o assunto no estado. Transcrevo-a seguir (em itálico):

Esse documento é uma peça de propaganda completamente descolado da realidade.

SC ainda mantém termoelétrica movida a carvão, com subsídio do governo federal, não controla o desmatamento (veja os dados da operação Mata Atlântica em Pé [3], conduzida em setembro), mais de 90% dos registros de CAR (Cadastro Ambiental Rural) não foram avaliados pelo IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina), os altos níveis de utilização de agrotóxicos persistem, os recursos hídricos superficiais, em grande proporção, estão com algum grau de comprometimento, a exploração do Aquífero Guarani segue sem maior critério e seu nível já registra baixa evidente e empresas de silvicultura avançam sobre Campos de Altitude da Mata Atlântica, se valendo de um conceito “singular” trazido pelo Código Estadual do Meio Ambiente.

A propósito, se o estado estivesse assim tão “verde” por que razão toda essa pressão para atropelar a legislação nacional de proteção ambiental? Afinal foi isso que fizeram com a aprovação do Código Estadual do Meio Ambiente [2022], o qual inclusive já teve diversos dispositivos declarados inconstitucionais pelo TJSC [Tribunal de Justiça de Santa Catarina].

Adicionalmente, esse material foi produzido sem qualquer debate ou submetido a alguma avaliação crítica.

Um documento que sequer mostra-se estratégico para “vender” uma imagem mais positiva do Estado. É tão exagerado que não permite um mínimo de credibilidade.

Sem surpresas, mera peça de “greenwashing” muito mal produzida. O Corredor das Nascentes foi publicado no apagar das luzes do governo Moisés; atual governo cogitou inclusive a sua revogação. O dado concreto é que, no caso desse Corredor [citado no documento], nenhuma medida concreta para implementação do mesmo foi tomada até o momento.

O documento até menciona o Inventário Florístico Florestal de SC, mas omite que ele destaca que todos os remanescentes florestais nativos no estado estão altamente empobrecidos. São, na maioria dos casos, florestas secundárias com baixa diversidade de espécies.

Mas o documento ainda insiste no estímulo ao “manejo florestal”, não citando que isso conflita com a Lei da Mata Atlântica. O dispositivo que tentaram implantar no Código Estadual (Projeto Conservacionista da Araucária) para “legalizar” o manejo florestal já foi declarado inconstitucional por decisão do TJSC.

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Com a aprovação do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil e a fala do governador assumindo a possibilidade de venda de créditos de carbono na bolsa de valores, o assunto exige reportagens de fôlego, do tipo que não tem mais lugar e espaço nos grupos de mídia de Santa Catarina.


Veja o documento aqui: https://www.semae.sc.gov.br/wp-content/uploads/2024/09/Revista-Economia-Verde-DIGITAL.pdf 

[1]https://globoplay.globo.com/v/12933261/

[2]https://www.youtube.com/watch?v=K4aZgxu5tC4

[3]https://www.mpsc.mp.br/noticias/balanco-final-operacao-mata-atlantica-em-pe-identifica-mais-de-17-mil-hectares-de-desmatamento-ilegal-

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A crise climática na cobertura jornalística das catástrofes em Valência e Porto Alegre




Por Míriam Santini de Abreu 

“Devastadora”, “trágica”, “catastrófica” e “apocalíptica” são adjetivos que a imprensa espanhola está usando para se referir aos efeitos da já caracterizada “maior chuva do século”, que devastou principalmente a comunidade de Valência. A imprensa brasileira também tem se utilizado dos mesmos adjetivos na cobertura. Postagens nas redes sociais estão divulgando notícias vindas do país europeu e associando o fato com as enchentes de abril/maio no Rio Grande do Sul. É oportuno, portanto, analisar a cobertura jornalística espanhola para investigar como estão posicionados os debates sobre a crise climática e a relação com a violenta DANA (depressão isolada de alto nível), fenômeno provocador das violentas chuvas e que ocorre quando o ar frio desce sobre as águas quentes do Mar Mediterrâneo. 

Às 18h45 desta quarta-feira (30), o jornal El Mundo traz o assunto na capa, enquanto no El País, cujo slogan é “El periódico global”, as notícias mais bem posicionadas tem relação com a eleição presidencial nos Estados Unidos. No El País, a matéria principal, intitulada “95 muertos y decenas de desaparecidos en la peor gota fría del siglo en España”, destaca o mesmo fato do El Mundo, o número já confirmado de mortos: “Al menos 95 muertos y decenas de desaparecidos por la DANA”. 

O El Mundo traz como primeira retranca outro fato que certamente irá merecer farta cobertura nos próximos dias: a demora do acionamento do sistema de alerta de Valência. O jornal também dá destaque para os motivos pelos quais a DANA foi tão violenta. A notícia traz análises de meteorologistas e destaca-se o seguinte trecho: “En este episodio, ha influido también un factor muy vinculado al cambio climático: la temperatura del agua del mar, pues en la costa de Valencia estaba entre un grado y dos por encima de la media en esta época del año. ‘No es una anomalía tan significativa como la de otros momentos del año, pero sin duda ha contribuido a que haya habido más lluvia’, afirma.” 

O El País aborda o fato em uma retranca de dois parágrafos na qual afirma que o Mediterrâneo mais quente que o normal, para esta época do ano, é a chave para a virulência das chuvas. Em nota, a Metsul Meteorologia analisou dados da chuva na comunidade espanhola de Valência, comparou-os aos do desastre no Rio Grande do Sul e concluiu que a precipitação em pontos de Valência superou o acumulado em 24 horas de qualquer cidade gaúcha no evento do fim de abril e o começo de maio. Mas, segundo a nota, “se considerado o período prolongado de instabilidade que atingiu o Rio Grande do Sul os volumes foram parecidos ou o dobro do que choveu em um só dia na região mais castigada da Espanha”.

Os dois veículos trazem reportagens descritivas sobre os impactos da DANA em diferentes localidades, medidas imediatas das autoridades públicas, serviços disponíveis aos atingidos, previsão meteorológica para as próximas horas e postagens de redes sociais feitas por moradores. Do ponto de vista da crítica da cobertura jornalística, seriam de grande valia estudos mais aprofundados para comparar o trabalho desenvolvido pelos jornais e jornalistas espanhóis com o dos congêneres do Rio Grande do Sul, a partir das premissas do jornalismo ambiental.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Sul21 e o jornalismo a serviço da pauta ambiental nascida no cotidiano

Print screen de tela


Por Míriam Santini de Abreu

O site de notícias independente Sul21 publicou, às vésperas do primeiro turno das Eleições 2024, a série de reportagens “Raio-X das Periferias” sobre as principais demandas de moradores dos quatro bairros mais populosos de Porto Alegre para o período eleitoral. A iniciativa, que incluiu os bairros Rubem Berta, Restinga, Sarandi e Lomba do Pinheiro (veja em bit.ly/3Ny1G25), é um exemplo significativo para relacionar cotidiano, espaço e pauta ambiental em tempos nos quais a população elege seus representantes na dita (e tão limitada) democracia representativa.  

No senso comum, cotidiano é o que ocorre todos os dias, o banal, o corriqueiro, o repetitivo. Mas nele também nasce a ruptura, a possibilidade de transformação social. O novo, afinal, emerge no cotidiano, e é no espaço que esse cotidiano, em sua riqueza e miséria, se realiza. As transformações pelas quais passa o jornalismo como fazer profissional e também como negócio, porém, afastam o jornalista do cotidiano e do espaço. Redações cada vez mais enxutas levam a coberturas magras, parte delas feitas por telefone ou redes sociais, levando portais noticiosos a terem “cara” de vitrine para boletim de ocorrência.

Em sentido oposto, a série do Sul21 traz diversidade de fontes e descrições expressivas do cotidiano e do espaço geográfico dos quatro bairros, onde aparece a errância de populações continuamente expulsas ou em busca de melhores condições de vida, situação agravada pela penosa tentativa de recuperação depois das enchentes catastróficas que atingiram o Rio Grande do Sul.

A debilidade dos serviços públicos, as dificuldades de locomoção, a falta de opções de lazer – todas elas relacionadas à pauta ambiental – vão sendo apresentadas ao longo das entrevistas para expor o abandono do poder público, as promessas que não se cumprem, as tentativas de organização popular para superar as carências do cotidiano. Aparecem ainda as conquistas via Orçamento Participativo, mas também as críticas aos limites deste instrumento de liberação de recursos públicos.

A série utiliza dados do Atlas de Vulnerabilidade Social desenvolvido no curso de Geografia da UFRGS, informação do mundo acadêmico a serviço da interpretação jornalística do espaço geográfico. Na reportagem sobre o bairro Rubem Berta, aparece menção ao jornal comunitário local Fala Cohab, a revelar o papel ainda vivo da comunicação comunitária. A série de reportagens “Raio-X das Periferias” é mais uma a confirmar o importante papel do Sul21 no jornalismo gaúcho e regional. Que as vozes que carrega em seus textos tão bem encaixados sejam ouvidas e levadas em conta por quem comandar Porto Alegre pelos próximos quatro anos. 

“Fala Campeche”, jornal a serviço da luta socioambiental em Florianópolis

  Por Míriam Santini de Abreu - jornalista O colega jornalista Silvio da Costa Pereira, sabendo do trabalho que temos feito em prol da memór...